sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Conto Nicolino


Todos nós sabemos que não podemos dominar os sonhos.
Aparecem-nos durante o sono, furtivos, enigmáticos, de alguns até não nos conseguimos recordar quando acordamos.
É próprio dos sonhos.
Não daqueles bolos fofos de farinha e ovos fritos em azeite, passados por calda de açúcar, próprios, aliás da época. Mas daquela actividade mental dificilmente dirigível que nos leva a uma realidade alternativa ou até a uma não realidade e que quando se entende ser nociva aos nossos interesses se chama pesadelo.
Nesta época de Nicolinas, por vezes, penso nos estudantes, também eles sonhadores com a inocência própria que a idade, avara, a posteriori lhes retira.
Penso nos meus tempos de jovem em que acompanhava o Pregão e as Maçãzinhas até à hora de ir para casa jantar e penso no Pinheiro na jantarada e na minha malta do Liceu. Enfim, penso em todos esses dias mágicos que se repetem ano após ano e que nos fazem sonhar e suspirar por uma juventude mais ou menos próxima.
Pois, bem.
Aqui há uns dias deitei-me depois de mais um dia de trabalho e dei por mim a sonhar.
Quando já alto ia sono, sonhei que um conjunto de rapazes – também eles sonhadores – haviam conhecido as Nicolinas enquanto jovens e gostaram, habituando-se a juntar-se em volta da mesa no dia do Pinheiro, discutindo a sua azáfama escolar diária e outras actividades extra-curriculares e em conjugação de esforços durante uns anos mantiveram aquela tertúlia.
Vi-os, pequenos saltitantes, depois já crescidos e estudantes e ainda depois nesses sãos encontros já adultos.
Eis senão quando no meio do meu devaneio onírico dei por mim no centro da mesa dos ditos rapazes. Não vou jurar, mas parecia há cerca de dois anos atrás.
Nesse convívio, a rapaziada discutia com afã as Festas e o que haviam de fazer para nelas sobressair do meio da turba. Afinal, eram bons rapazes, inteligentes e bem parecidos, mas parecia que se fundiam por entre a multidão Nicolina. Queriam mais, muitooo mais…
Eis que, um deles, disse à restante malta: “Já sei! Vamos registar a marca Nicolinas.”
Depois de alguma discussão: uns contra, outros a favor. Diz o mesmo interlocutor: “Não! Não existirá qualquer aproveitamento. Registamos a marca para cedê-la à Comissão de Festas, mas como a Comissão de Festas não pode deter a marca...”
Foi aí que este meu sonho entrecortou-se com a visão da Criação do Mundo bíblica: E disse Deus: Haja uma expansão no meio das águas, e haja separação entre águas e águas.
E disse Deus: Ajuntem-se as águas debaixo dos céus num lugar; e apareça a porção seca; e assim foi. E chamou Deus à porção seca Terra; e ao ajuntamento das águas chamou Mares; e Deus viu que era bom.
Depois voltei ao meu sonho… e a tertúlia viu que era bom.
O processo arrastava-se e os rapazes nunca mais viam o dia em que podiam criar o homem e a mulher nicolinos…
Mas, o dia chegou e havia que pôr tudo aquilo que estes haviam sonhado – porque também eles sonham – em prática.
Havia que lançar o produto! E lançá-lo em pack: cachecóis, t-shirts, fitas para as Maçãzinhas, microfones para o Pregoeiro, bilhetes para o Cortejo do Pinheiro, fichas para os carrinhos de choque, máscaras para as Roubalheiras, aparelhos para escutas telefónicas à Comissão, etc…
Tudo oficial e com venda tecnologicamente avançada: on-line…
E a tertúlia viu que era bom…
Tudo rolava sobre esferas quando uns rapazes mais velhotes se aperceberam e não gostaram do registo e da venda do produto.
Também eles – os mais velhotes – se reuniam há cerca de 50 anos para jantares, folguedos e para falar das Festas, arvorando-se em seus defensores.
O meu sono começou a ficar agitado…
“Mas como estão chateados? – diziam eles – Nós só queremos defender as Festas.”
Mas os velhotes, rezingões refutavam e combatiam a ideia.
Nova reunião: “Vamos enviar um emissário ao “Velhadas- Mor”, ele vai-nos ouvir e ver que somos bons tipos. Vai e diz que a marca é de todos e estamos dispostos a cedê-la gratuitamente aos Velhos”.
E a tertúlia viu que era bom…
Assim foi.
Um interlocutor de meia-idade foi arranjado e a promessa feita aos Velhos, através do “Velhadas”.
Aceite a promessa, reuniões seriam marcadas entre velhos e rapazes para oficializar a passagem da “Tocha Nicolina” (ainda não comercializada, mas em breve em qualquer banca).
As reuniões foram marcadas e os Velhos esperavam, esperavam… e desesperavam.
E houve trocas de telefonemas, mails, sms´s, mms´s e mensagens via skype…
Mas a rapaziada não aparecia.
O sonho levou-me outra vez à rapaziada e às suas festivas reuniões:
- Não – dizia um – nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Nós registámos e transmitiremos o registo a quem quisermos. Será para uma entidade inter-geracional que agrupe cá a rapaziada e os Velhos. Renunciaremos ao núncio que enviamos aos Velhos três vezes antes do amanhecer. Ele não nos representa.”
E a tertúlia viu que era bom…
Depois, perderam a cabeça. Deixaram a tecnologia e usaram um método “old school”: mandaram uma carta… A Epístola da Rapaziada à Velhada.
E os Velhos chatearam-se outra vez…
De repente, no meu sonho, apareceu-me S. Nicolau e disse: “Calma, oh cachopo. Isto não acabou.”
Esta aparição de S. Nicolau no meu sonho constrangeu-me e como rapaz que sou, fez-me ter medo. Suei.
Mas, pensei ao mesmo tempo: “Que honra!”
Depois questionei-me se seria legítimo e quando lhe ia perguntar “Então o teu R e a bolinha?” Ele esfumou-se… Fiquei na dúvida se seria ele… Comportava-me como Tomé…
O meu sonho atrabiliário regressou ao trilho da história qual “Viagens na Minha Terra” – também elas “Viagens” sem “R”, mas com bolinha…
Um grupo de Velhos foi falar com o “Velhadas” e disse: “Velhadas, amigo. Vamos fazer uma Assembleia Geral Extraordinária de Velhos para discutir o assunto.”
O “Velhadas” sorriu e disse: “Onde está o vinho? Façámo-la! Juntemos a Velhada toda e a rapaziada que queira vir”.
De repente, acordei no meio do chão apavorado com os meus oníricos pensamentos… Esfreguei os olhos, sentia o odor a vinho que o Velhadas havia bebido com o grupo de Velhos…
Estranhei…Telefonei ao Velhadas e… era tudo verdade…

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