O Blog, da ACFN, tem um prazer de apresentar a nova rubrica, intitulada de"Memórias de um Velho Nicolino".E para estrear esta nova rubrica, nada mais, nada menos, de que o nosso grande Rui Barreira, Sócio nº1 e fundador desta ilustre associação.Nicolinas,
Pediram-me para escrever um texto sobre as Nicolinas, ao qual acedi de imediato, pois como sabem todos os que me conhecem, é tema de primeiríssima ordem no meu sistema de prioridades.
E falar de Nicolinas sem falar nos tempos idos de 89-90, anos em que fiz parte da Comissão de Festas Nicolinas, dando conta da minha experiência, era não contribuir para a difusão das festas e, em particular, para o trabalho realizado por estes 10 jovens de 16 e 17 anos que têm a seu cargo a organização das Festas Nicolinas, muitas vezes só apontados a dedo por algo que correu mal e sem nunca verem reconhecidos pelo imenso trabalho que têm.
Recordo-me perfeitamente do momento em que recebi o convite para integrar a Comissão de Festas Nicolinas em 1989. Regressava eu a casa, depois de uma manhã de aulas, por volta das 13.15, numa dia de Outubro, quando encontrei o Alexandre. O Alexandre havia pertencido à Comissão de Festas em 1988 e fez-me o desafio. O desafio de pertencer à Comissão de Festas, algo que sempre tinha sonhado, mas que, sinceramente, naquela altura, nunca pensei possível.
Nesse dia caiu-me nas mãos a possibilidade de realizar um sonho, o sonho de vestir aquele traje, de organizar as festas, o sonho de um miúdo. Depois do convite do Alexandre, recordo-me de me dirigir para casa, a imaginar as vezes que me dirigi aos membros das Comissões de Festas no átrio do Liceu a pedir-lhes aqueles “mágicos” autocolantes e a inveja que lhes tinha, sabendo que agora, afinal, sempre era possível eu ser um deles.
Chegado a casa, recordo-me de me sentar à mesa com a minha família: Pai, Mãe e Irmão. Transmiti ao meu Pai o convite e disse-lhe desde logo que queria entrar. Lá me deixou, sendo certo que não o fez de ânimo leve. No entanto, tenho quase a certeza que o brilho dos meus olhos não permitiu que me dissesse que não.
E assim foi. Encontrei-me com o Alexandre, disse-lhe que sim e que estava morto por começar.
Também o Belmiro integrou essa Comissão de Festas, colega de Liceu desde o7.º ano um amigo que me acompanhou não só no Liceu, como também na Universidade, até ambos concluirmos a licenciatura.
Posto isto tivemos a nossa primeira reunião. Conheci os restantes membros da Comissão e o Presidente, o Jó Folhadela, amigo de longa data do meu irmão e que eu perfeitamente conhecia. Disse-nos ao que íamos, o que tínhamos que fazer e quais os objectivos. Disse-nos que queria dignificar as Nicolinas e que tínhamos de ser todos unidos. Que deveríamos respeitar o traje que usávamos e que muitos olhos estariam sobre nós. Posto isto, mãos ao trabalho, ou seja, aos peditórios.
Acordei bem cedo, vesti o traje (não sem antes pedir ao meu Pai para me dar o nó na gravata, pois tal peça de vestuário era coisa nova para mim) e saí de casa. Dirigia-me eu para o “Matadouro”, onde hoje é o Hotel Íbis, para me encontrar com o Lopes. O Lopes era outro membro da Comissão que ainda não havia conhecido, mas que já tinha pertencido em 1988.
Encontrei-o no velho Matadouro e, como sempre me aconteceu nas Nicolinas, passados cinco minutos parecíamos amigos de longa data. Fomos para Riba D´Ave, onde fizemos peditório todo o dia, correndo aquela terra de lés a lés. Uma experiência única, fantástica. A forma como nos recebiam, como nos abordavam e como nos reconheciam. Este foi o meu primeiro dia na Comissão de Festas, um dia que jamais esquecerei.
Mas histórias há, que neste pequeno escrito não queria deixar de recordar. Histórias que se desconhecem, mas que devem ser conhecidas por todos os Nicolinos e população Vimaranense em geral e que podem contribuir para combater tanta “poluição” que se vai lançando sobre todas as comissões de festas e os jovens que a integram.
Lembras-te Afonso, quando andávamos a fazer peditório em Gondar e nos apareceu uma senhora de idade, a pedir desculpas por não nos poder dar o contributo que entregava religiosamente todos os anos, pois tinha o seu marido acamado, que não conseguia trabalhar e dizendo-nos, com lágrimas nos olhos, que nem sequer tinha dinheiro para lhe comprar os medicamentos. Lembras-te que logo nesse momento decidimos deixar-lhe todo o dinheiro que tínhamos arrecadado durante o peditório, para que a senhora pudesse comprar os medicamentos.
Lembras-te, Jó, quando no próprio dia do Pinheiro eu decidi que o Minerva teria de ir de uma forma decente, vestido com uma capa vermelha? Que fomos comprar o tecido ao “Oliveira & Silva” no Toural e que fomos pedir à Senhora que nos dava as luvas e o papillons, para que nos cosesse umas tiras daquele tecido vermelho (apenas umas às outras devido à escassez de tempo) para pôr por cima do Minerva . Lembras-te que ela nos disse que era impossível e nos indicou a casa de uma senhora na Praça de Santiago a quem fomos pedir isto às 19 horas da noite do Pinheiro. Lembras-te de que esta Senhora nos disse que ia tentar tudo e para passarmos novamente por volta das 8 horas da noite? E lembras-te de quando lá chegamos, e após a senhora nos mostrar uma capa vermelha fabulosamente concebida, com “atilhinhos” para prender ao pescoço e tudo e nós ficamos sem palavras? E lembras-te do que ela nos respondeu depois de perguntarmos quanto era? Lembras-te de ela dizer que ia sair muito caro e que depois apenas nos pediu um beijo a cada um de nós e nos desejou a maior sorte do mundo sorte. Lembras-te que em anos sucessivos fomos sempre deixar-lhe um pregão dourado em forma de agradecimento e reconhecimento?
E que dizer dos momentos antes da saída do Pinheiro. Nós, tão jovens, metidos na eira do lavrador da Veiga, onde fazíamos os carros e os cartazes individuais (que agora já não existem) durante todo o dia 29, com montanhas e montanhas de gente cá fora, que pretendiam seguir em cima dos carros e levar os cartazes contra-pagamento de uma garrafa de qualquer coisa? E lembram-se os meus companheiros e amigos de comissão de um deles que mal recebeu a garrafa, desatou logo a correr pelo meio dos campos, fugindo a sete pés, até desaparecer, porque caiu e de logo nos desmontarmos a rir quando verificamos que ele tinha lama até ao cabelo?
E a lembrança da chegada do Xico Jesualdo ao Cano, que quando chegou junto de nós e perguntou a que se deviam os foguetes e nós lhe dissemos que eram já os foguetes da saída do Pinheiro, pois estava tudo pronto ao contrário da confusão do ano anterior. Lembrais-vos, caros amigos e companheiros de Comissão, das lágrimas que o Xico Jesualdo brotou, dizendo-nos que éramos os “maiores”?
E lembrais-vos do que tínhamos que aturar bem atrás do Pinheiro, logo a seguir à Banda de Delães? Toda aquela gente aos saltos e nós a termos que os controlar de forma a defender os membros da Banda?
E a nossa ceia no final do Pinheiro, em Penselo, às 4.30 da manhã, onde havia tudo e mais alguma coisa para comermos e que nós quase que nem lhe tocamos, onde só queríamos por os pés ao alto, pois estávamos super exaustos, mas ao mesmo tempo contentes pelo dever cumprido após 45 dias de trabalho árduo de sol-a-sol (sim, nessa altura não íamos sequer a uma aula).
Muitas mais histórias haveria que contar. Eu sei que as Nicolinas não são só a Comissão de Festas, e que vão muito mais além. Mas eu, que por lá passei, não poderia nunca deixar de falar sobre Nicolinas sem referir esses momentos, até porque na Comissão de Festas aprendi muita coisa para a vida. Desde logo, o sentido de responsabilidade! Pois tínhamos a noção da dimensão, importancia, sensibílidade e difículdade das Festas e sabíamos que a organização e responsabilidade recaia sobre os ombros de tão poucos, tão jovens e, até então, tão imaturos.
Parte do que sou hoje, às Nicolinas e à Comissão o devo. Não me arrependo um segundo do que quer que seja e penso que não nos saímos mal.
E neste momento não poderia deixar de dedicar a minha vida Nicolina a uma pessoa. Alguém que não foi Nicolino, porque os Estudantes da Escola Industrial não faziam parte, mas que desde sempre me transmitiu a verdadeira magia das Nicolinas. Alguém que me autorizou a integrar a Comissão de Festas, que me levou em criança, todos os anos sem excepção, a ver o Pinheiro. Alguém que me punha à varanda (porque eu morava em frente ao Teatro Jordão) a ver os “velhos” iniciarem o cortejo. Alguém que aguentou ver o filho cansado durante tempos, dando-lhe sempre conselhos e estímulos para continuar.
Obrigado, meu querido Pai. A ti te dedico esta pequena memória de Nicolinas.
Rui Barreira
10.11.2008